Em quê se distingue ela do prêt-à-porter?
Quem são os que a fazem viver hoje na França?
Um modelo deve, ao mesmo tempo, manter e surpreender: sendo uma vestimenta, ele respeita os cânones: sendo uma toalete, ousa insolências. Ele permite a audácia na tradição." Assim falava Christian Dior, o inventor do new look, fixando em seus vestidos o perfume da alta costura: "a arte do bem-feito, o senso do infinito" indissociável da imagem de Paris.
O que é a alta costura? É em primeiro lugar um savoir-faire (um saber fazer) ligado a um artesanato que perdura há cerca de cento e cinqüenta anos: a origem da alta costura remonta a Charles Frederic Worth, que criou, em 1858, no nº 7 da rue de la Paix, em Paris, a primeira verdadeira maison de alta costura, criando modelos originais para clientes particulares. A alta costura está ligada ao trabalho artesanal, tanto dos ateliês quanto dos fabricantes de adereços (plumas, bordados, etc...) que, a cada estação, criam os enfeites que vão fazer a exceção.
O termo alta costura constitui uma denominação juridicamente protegida e "da qual só podem se prevalecer as empresas que constem da lista estabelecida todos os anos por uma comissão com sede no Ministério da Indústria", observa a Câmara Sindical da Alta Costura. Os principais Critérios, estabelecidos em 1945 e atualizados em 1992, são os seguintes: empregar um mínimo de quinze pessoas nos ateliês, apresentar à imprensa em Paris, a cada estação (primavera-verão e outono-inverno), uma coleção de pelo menos trinta e cinco passagens compostas de modelos .para o dia e para a noite.
O ar da perfeição
Em janeiro e em julho aproximadamente 1.000 jornalistas do mundo inteiro (para o prêt-à-porter são cerca de 2.000) vêm assistir às coleções de alta costura, que acontecem - a tradição obriga - nos grandes palácios parisienses como o hotel Intercontinental, o Ritz, o Grand Hôtel e às vezes nas novas salas do Carroussel do Louvre, que acolhe principalmente o prêt-à-porter. Existe aí um ambiente muito particular, onde o brilho dos tecidos, a suntuosidade dos acessórios e a mise en scène de cada apresentação conferem a cada manequim a aura de uma divindade. Na primeira fila, os clientes e celebridades tomam notas: Paloma Picasso com Christian Lacroix, Catherine Deneuve com Yves Saint-Laurent e, ao redor, os ricos americanos (60% da clientela) que vieram respirar ar fresco em Paris, o ar da perfeição.
Quem diz alta costura, diz precisão das linhas: "A alta costura são segredos cochichados de geração a geração..." diz Yves Saint-Laurent, atento em encontrar nas roupas criadas no segredo do "estúdio" o equilíbrio supremo. Se, no prêt-à-porter, uma roupa é estabelecida de acordo com medidas padrão, a roupa de alta costura adapta-se a todas as imperfeições, a fim de melhor eliminá-las (cf. quadro). A alta costura é a arte de montar a gola, ajustar uma manga de tailleur, ou um decote, que dissimulará o ombro caído ou colocará o busto em evidência de maneira admirável... Uma das grandes criadoras francesas deste século, Madeleine Vionnet, definia-se como "um médico da linha". Um vestido exige em média três provas.
Existem hoje na França dezoito maisons de altas costura: Balmain, Pierre Cardin, Carven, Chanel, Christian Pior, Louis Féraud, Givenchy, Lecoanet Hermant, Christian Lacroix, Lapidus, Guy Laroche, Hanae Mori, Paco Rabanne, Nina Ricci, Yves Saint-Laurent, Jean-Louis Scherrer, Torrente, Emmanuel Ungaro.
A alta costura emprega 4.500 pessoas (das quais cerca de 2.200 operárias nos ateliês); elas eram 35.000 antes da Segunda Guerra Mundial. A alta costura constitui de fato urna realidade econômica: em 1994, o volume de negócios direto, sem taxas, da alta costura foi de 5 bilhões de francos (1 bilhão de dólares), dos quais 73% obtidos com as exportações. Ao lado da atividade sob medida, que representa 6% do faturamento, encontra-se o prêt-à-porter de luxo (33%), o prêt-à-porter masculino (18%), e os acessórios (43%), responsáveis pela presença das marcas francesas no mundo inteiro.
Da idade de ouro dos anos 50 ao ano 2000
A idade de ouro da alta costura remonta aos anos 50. As manequins mais famosas chamavam-se Capucine, Sophie Litwak e Bettina, que deu seu nome a uma blusa leve e vaporosa copiada em milhares de exemplares... As clientes célebres são americanas como Mrs Lopez, Rachel Lambert Mellon, Babe Paley, e até a duquesa de Windsor de quem Hubert de Givenchy reconhece: "Ela era impecável, mas não possuía a audácia de Gloria Guiness". A esse respeito ele relembra: "Ela transformava nossos modelos. Ao encontrar um poncho, ela me disse: "copie isso para mim, você deveria colocar a parte de trás para a frente e a frente para trás." E ela tinha razão. Outras queriam vestidos para combinar com jóias. As esmeraldas tinham que chegar a um centímetro do decote. Elas nos inspiravam e isso era enriquecedor..."
Atualmente, é preciso contar com novos fatores. Yves Saint-Laurent foi comprado pela Sanofi, Paco Rabanne e Jean-Louis Scherrer são respectivamente administrados pelo espanhol Puig e o japonês Seibu. 1994 viu desaparecerem duas maisons, Per Spook e Philippe Venet. Os costureiros franceses não formaram sucessores. E o caso de Givenchy, que tomou aulas com Elsa Schiaparelli, a rival de Coco Chanel, de Yves Saint-Laurent, herdeiro de Dior, ou de Emanuel Ungaro, que ingressou aos dezessete anos como braço direito de Balenciaga: eles todos têm em comum a vantagem de haverem aprendido com um mestre.
As marcas que resistem mais tempo pertencem na maior parte das vezes a grandes grupos, para os quais a alta costura representa uma "locomotiva", que faz vender perfumes, cosméticos e todos os produtos derivados. A alta costura de antigamente correspondia a um desejo, a ocasiões que a vida social justificava: estréias de teatro, jantares, grandes bailes. A rarefação dos clientes (15.000 em 1947, menos de 1.500 hoje), prova bem que os hábitos mudaram. Melhor ainda: o preço de retorno de um vestido aumentou de maneira bastante considerável, para dar a esse luxo, que podia parecer necessário antes, a tarifa de exceção. O preço de um modelo pode chegar de 80.000 a 100.000 francos (de 1 6.000 a 20.000 dólares) para um tailleur, a 300.000 francos (60.000 dólares) e mais por um vestido de gala. É verdade que isso representa centenas de horas de trabalho...
Será que o luxo sobreviverá ao ano 2.000? Sim, se pensarmos no incrível prestígio de que goza a alta costura fora de nossas fronteiras. Inigualável, inacessível, a alta costura continua a fascinar. É claro que se pode lamentar o fato de essa arte estar hoje estilisticamente voltada para o passado. Só podemos medir a defasagem entre uma época e outra: "Eu me servi de meu talento como de um explosivo" afirmava Chanel.
Ao lado da Escola da Câmara Sindical de Alta Costura, que ministra cursos, a escola particular Esmod, fundada em 1841, oferece até uma especialização a pedido dos alunos, preocupados em aprender essa técnica tão particular: As roupas não são cortadas numa superfície plana, mas moldadas a partir das linhas do corpo, numa procura pelo "caimento" perfeito. Renunciando às roupas de má qualidade, a moda hoje busca na alta costura seus exercícios de estilo. "Porque o perigo de nossa época é a uniformização", explica Michel Klein, do ateliê de Guy Laroche.
A criação de um modelo
Um modelo de alta costura é, antes de mais nada, fruto de um longo trabalho artesanal, pois, como explica uma chefe de ateliê: "Tudo reside na técnica: o avesso deve ser tão bonito quanto o direito." Primeira etapa: o desenho. O costureiro realiza uma série de croquis: passados para o ateliê, eles servirão de base para "telas", um termo genérico que designa os modelos realizados sobre uma tela de algodão, em geral cru, sobre a qual serão traçadas linhas e colocadas "bolducs" (fitas), para definir a construção da roupa.
A alta costura é um negócio de milímetros: mede-se tudo, de maneira a que o tecido "caia" bem e despose perfeitamente o corpo sem no entanto moldá-lo. Acontece às vezes de os costureiros dispensarem o desenho e cortarem diretamente o tecido: foi o caso de Chanel, ou ainda de Balenciaga, o grande mestre jamais igualado, um dos últimos a serem capazes de cortar, e mesmo costurar como um virtuose... Vem a etapa do tecido, cortado, montado, alinhavado antes de ser costurado, e passado longamente a ferro, pois até a última prova (no manequim), pode-se modificar uma pinça, recomeçar uma montagem de ombro, sob o olhar do costureiro, que vai indicando os seus desejos à chefe do ateliê, a única a ter o "privilégio" de entrar no "estúdio", (o escritório de criação).
Existem dois tipos de ateliês: os ateliês "tailleur", em geral reservados às roupas de dia, e os ateliês "fiou", que trabalham de preferência os modelos de noite. Os ateliês são verdadeiras colméias onde trabalham as costureiras mais experientes, suas ajudantes e as "arpettes" (aprendizes): para dar certo, diz-se no ateliê, "um modelo tem que dar a impressão de não ter sido tocado". Principalmente se ele esconde em suas dobras algumas centenas de horas de trabalho. Na véspera do desfile, são acertados os últimos detalhes, faz-se a "limpeza". Centenas de senhoras da costura, supersticiosas, recusam-se a utilizar a linha verde (dá azar). O desfile chega. Os vestidos vão. "A gente os vê partir, são um pouco como nossos filhos. Já Yves Saint-Laurent reconhece: "Quando é colocado o último alfinete, a gente se sente como um órfão."
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